Tramitam no Congresso dois Projetos de Leis (3/2011 e 6756/2013) que pretendem declarar o Hip Hop como “manifestação de cultura popular de alcance nacional”, além de regulamentar as “profissões” que integram essa cultura.
O debate sobre os PLs já ganham corpo nas redes sociais. Analisando parágrafo por parágrafo, artigo por artigo, há muito que se questionar. Porém, para o Coletivo de Hip Hop Lutarmada há uma discussão importantíssima que é anterior ao conteúdo dos Projetos de Leis, inclusive pra entende-los melhor. O que significa o Estado reconhecer o Hip Hop? Quem é um, e quem é o outro? O Hip Hop carece desse reconhecimento? Pra quê? Que interesses o Estado teria em regulamentar uma cultura que nasceu para, entre outras coisas, unir aqueles a quem o Estado sempre agrediu (fosse a bala, a cassetete ou a caneta)? Essas são apenas algumas das tantas perguntas que se deve fazer antes de se posicionar sobre qualquer passo que o Estado dê em direção ao Hip Hop.
Para entender o que está em jogo é bom conhecer melhor os jogadores.
O Estado
“O
Estado é o comitê executivo dos interesses da burguesia”
Karl Marx
Karl Marx
Por dezenas de milhares de anos a vida humana era comunitária,
comunal. O próprio desenvolvimento histórico levou a uma situação em que uma
minoria se apropriou do que era comum a todos, se apropriou dos meios de
produção da vida, e do resultado do trabalho da maioria. Criou-se assim a sociedade de classes – uma classe
dominante e outra dominada – e, por consequência, a luta de classes. O Estado foi a máquina que surgiu para garantir o
bom funcionamento dessa exploração de uma classe sobre a outra. Com seus órgãos
políticos, jurídicos e ideológicos o Estado é o organismo que ordena a nossa
subalternização. Ele só existe por que existem dominantes e dominados.
O Hip Hop
“As
pessoas estão se tocando de que o que elas fazem veio de algum lugar, e pra que
evolua é preciso um círculo completo. Eu sempre digo: você precisa saber de
onde veio o Hip Hop para saber para onde ele vai”.
DJ Grand Wizard Theodore
DJ Grand Wizard Theodore
O escravismo nos EUA foi abolido em 1863, em plena Guerra de
Secessão. Seu fim não significou o fim da opressão ao povo preto.
Principalmente no Sul do país a legislação segregava os ex-escravos e seus
descendentes. E assim foi até 1964, quando a pressão desse povo fez com que o
Estado aprovasse a Lei dos Direitos Civis. Mas se o racismo não tinha mais a amparo
legal, por outro lado gozava de um respaldo com alicerces em quase 400 anos de
escravidão. O movimento pelos direitos civis dos pretos fez emergir a liderança
do pastor Martin Luther King Jr. Como sua proposta de luta pacífica não
contemplava a totalidade de pretos que era brutalizada diariamente pelas ruas
do país, nesse vácuo de uma resposta mais imediata surge Malcolm X. No ano seguinte ao seu assassinato, seu
legado fez surgir o partido que mais dor de cabeça deu ao governo
estadunidense. O Black Panther Party (Partido dos Panteras Pretas) nasceu da
necessidade de a comunidade preta se defender da violência do Estado, mas no
decorrer da sua atuação comunitária, entendeu que todas as formas de violência
cometidas contra o povo preto estavam a serviço de algo maior que era a
manutenção da ordem capitalista. E foi justamente com a morte violenta de
Luther king, o líder pacifista, que os pretos descobriram a ineficácia da não
violência, e migraram em massa pra dentro do Partido. Tudo isso enquanto, sob
muito protesto dentro e fora do país, os EUA travavam uma guerra contra a
“falta de liberdade no Vietnam”.
Esse é o contexto sob o qual surge, no início da década de
1970, o Hip Hop. É importantíssimo não ignorar essa atmosfera, pois os fundadores
e atores desse movimento eram todos influenciados por ela. Inclusive consta que
os primeiros B Boys, graffiteiros, MCs e Djs eram, em boa parte, filhos e
irmãos mais novos dos Panteras. O exemplo mais célebre é o do rapper Tupac,
filho de Afeni Shakur, e afilhado de Assata Shakur (até hoje exilada em Cuba,
já que ainda há uma recompensa de 1 milhão de dólares por sua captura), ambas
militantes do Black Panther.
Não seremos irresponsáveis ao ponto de afirmar que o Hip Hop
na sua gênese foi um movimento revolucionário. Mas insistiremos que, nas
condições em que foi criado, foi sim, um ato de rebeldia e resistência. Longe de ser profissão pra alguém, alguns de
seus precursores dizem até que o Hip Hop era melhor na época em que o dinheiro
ainda não tinha deformado a sua essência.
O Estado
brasileiro e o Hip Hop.
“Cadê
o ‘tudo nosso’ se o inimigo é nosso sócio?
O que diria Zumbi, se estivesse vivo
Pra todo negro que cresce doente, iludido?”
Eli Efi
O que diria Zumbi, se estivesse vivo
Pra todo negro que cresce doente, iludido?”
Eli Efi
Uma ditadura empresarial-militar chegando ao fim. Milhares de
pessoas nas ruas gritando por eleições diretas para presidente. O surgimento de
uma das maiores centrais sindicais do mundo (CUT). O nascimento de um dos
maiores partidos dos trabalhadores do mundo (PT). Fundação de um dos maiores
movimentos de luta por terra do mundo (MST)... assim foram os primeiros anos da
década de 1980. Como nos EUA, o Hip Hop brasileiro nasce dentro de um contexto
de muita mobilização popular, de muita luta política, em que a classe
trabalhadora se reorganizava, depois da grande derrota dos anos 60. Por isso o
Hip Hop brasileiro foi, por muitas pessoas e por muito tempo, considerado o Hip
Hop mais politizado e mais organizado do mundo. Ele (principalmente o RAP) era
o canal de ressonância de todas as angústias e anseios de boa parte da
juventude periférica das cidades mais importantes do país.
Os governos dos primeiros anos de democracia burguesa não
tinham olhos para o Hip Hop. Seguindo o receituário neo-liberal, o governo PSDB
instigou, como nenhum outro, a
indignação desses artistas. Mas o capital deu nova cara a antigos métodos. Figuras
representativas da classe trabalhadora e/ou de grupos oprimidos alcançavam a
presidência e outros postos-chave de poder com o compromisso de, em favor dos
nossos exploradores,
amortecer a luta dos explorados e oprimidos. Gozando de maior identidade com o proletariado não foi difícil pro governo PT conquistar pro projeto inimigo o comprometimento dos trabalhadores, organizados ou não. Quase toda a combatividade dos movimentos mais expressivos foi minada. E com o Hip Hop não foi diferente.
amortecer a luta dos explorados e oprimidos. Gozando de maior identidade com o proletariado não foi difícil pro governo PT conquistar pro projeto inimigo o comprometimento dos trabalhadores, organizados ou não. Quase toda a combatividade dos movimentos mais expressivos foi minada. E com o Hip Hop não foi diferente.
Do começo dos anos 80 até a chegada do PT à residência foram
duas décadas em que o Hip Hop “tomou o Brasil de assalto” sem cadeiras em
gabinetes, sem dinheiro de editais, e sem que o Estado nos reconhecesse e nem
organizasse eventos pra nós. Artistas como Gog, Os Gêmeos e Racionais MCs
ganharam projeção nacional (até internacional) justamente na era neo-liberal
dos governos Collor/Itamar/FHC, na qual a relação Estado e Hip Hop era de
desprezo por parte do primeiro e hostilidade pelo segundo.
Um Partido dito dos Trabalhadores chega à presidência. Esse novo quadro político desorientou o Hip
Hop brasileiro. A fronteira entre nós e nossos inimigos históricos foi ficando
cada vez mais apagada, menos nítida. Todo status, personagens e entidades da
vida pública, meios de comunicação e espaços que eram alvo de críticas pesadas
do Hip Hop nacional nos seus bons tempos, hoje são seus objetos de desejo. Até
uma relação promíscua com o Estado, impensável há 20 anos, hoje é uma realidade
que aniquila nossa autonomia e nos enfraquece. E essa desorientação abriu
precedentes para absurdos como o de gente nossa participar de eventos
promovidos pela polícia que mais mata pretos e pobres no planeta. Como se isso
fosse a coisa mais normal desse mundo.
Resistir
ou sucumbir?
Os PLs já estão tramitando e os debates também. Já houve até
audiência pública chamada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. A
página da referida comissão nos dá uma idéia de como foram as discussões (http://blogoosfero.cc/comculturanacamara/blog/rappers-discutem-o-reconhecimento-do-hip-hop-como-manifestacao-da-cultura-popular-brasileira).
Os
convidados foram, em sua maioria (ou totalidade?), artistas com menos
compromisso com a nossa luta e a cultura Hip Hop, e mais com suas contas
bancárias, seus status e prestígio nos espaços de poder institucional. Boa
parte deles filiados ou próximos a partidos governistas. A todos eles – com uma
mexidinha aqui, outra ali, ou, até do jeito que está – interessa a aprovação
dessas leis.
2014 bate na nossa porta, e com ele, lutas mais intensas que
as de 2013. Afinal, os ataques do Estado contra a nossa classe também vão se
intensificar para garantir os lucros dos envolvidos nos mega-negócios da Copa
do Mundo e Jogos Olímpicos. Como o Hip Hop tem um certo poder de mobilização, é
interessantíssimo pra eles que nossa combatividade esteja neutralizada, e que
nossa arte reflita os interesses da classe inimiga. Qualquer tipo de pacto do
Hip Hop com o Estado burguês será um golpe duro contra a periferia, contra a
favela, contra o próprio Hip Hop e a classe trabalhadora.
A maternidade do Hip Hop foi a comunidade preta proletária, e
se nossa atuação dentro do Hip Hop for coerente com essa origem, o Estado (e a
classe que ele representa) nos reconhecerá, sim, mas como inimigos. Aqueles que
disseram não ao seu poder de sedução e fizeram de suas artes a expressão
cultural da luta, não pela “inclusão social” numa sociedade que é injusta na
sua essência. Mas a luta pela destruição total dessa sociedade e pela construção
de outra justa e livre da exploração do ser humano pelo ser humano.
Por um Hip Hop autônomo e combativo.
Coletivo
de Hip Hop Lutarmada.
Rio, 20 de dezembro de 2013
Papo reto, sem meias palavras...
ResponderExcluirmuito bom camarada, muito bom !
ResponderExcluirdepois do carnaval + pão e circo pro povo
ResponderExcluirescola de samba foi do povo do povo passou pros bicheiros e traficantes e dos bicheiros e traficantes como movimentava grana demais passou pro deus estado com a internet fica bem mais facil pesquisar e tirar essa conclusão duvido se em 40 ou 50 anos va tr um hiphopodromo ainda mais com o mundo se tornando cada vez mais globalizado
ResponderExcluirromario tambem não é santo não comprava carro importado da mafia italiana
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