O rap cubano é largamente ignorado pelos turistas em estadia na Ilha. À margem dos cafés e boates onde se tocam constantemente as músicas do Buena Vista Social Clube ou la guantanamera, um movimento de jovens cubanos tomou a iniciativa de pôr nas canções a dura realidade da vida cotidiana. Dessa onda de músicos rebeldes, o duo Los aldeanos tem ganhado reconhecimento em Cuba e no mundo por suas canções críticas e realistas.
Los Aldeanos insistem em continuar com sua arte apesar da censura das mídias cubanas, que não apreciam muito as críticas abertas contra as autoridades locais.
O rap cubano underground
O duo formado por Bian Oscar Rodrigues (El B) e Aldo Roberto Rodrigues (El Aldeano) começaram a seguir carreira em 15 de fevereiro de 2003 nos subúrbios de Havana, no Cinco Palmas. Naquele dia, eles não tinham mais que cinco pessoas assistindo. Oito anos mais tarde, 1500 jovens se reúnem espontaneamente na cidade de Holguín para os escutar. A manifestação foi dispersa pela polícia local.
Los Aldeanos se tornaram ídolos para milhares de jovens cubanos - e o “diabo em pessoa” para os meios oficiais. De adolescentes desconhecidos, eles se tornaram o símbolo de uma juventude que parece se embeber em suas músicas.
O duo de rappers expressa diabólico prazer em destruir os numerosos clichês que exalam da ilha de Cuba ao estrangeiro: a presunção de um apoio unânime das novas gerações à revolução de Fidel Castro ou ainda o controle tido como absoluto do governo sobre a cultura que impediria toda a expressão alternativa. Cuba não é uma caricatura de um país em preto e branco nas letras rugosas de Los Aldeanos.
As críticas em torno das autoridades abundam em suas canções. Eles não escondem seu descontentamento quando afirmam “combata para uma mudança social que não agrada ao governo” na canção-manifesta El Rap es Guerra, do álbum El Atropello, de 2009.
Mas eles não se mobilizam em organizar uma oposição política para mudar o sistema. Los Aldeanos rejeitaram toda crítica ligada aos movimentos rebeldes que desejam derrubar Raúl Castro. A meta é ser porta-voz dos cubanos oprimidos pela corrupção, das desigualdades sociais, duma sociedade angustiada por duas décadas de depressão econômica.
Eles cantam o heroísmo do povo cubano: “Herói é o cubano, que se vira para ser mais engenhoso que os chineses desde que o bloco [bloco soviético] saiu de cena, afirma Aldo com Silvito el Libre (os filhos do cantor Sílvio Rodriguez) no disco Los KbaYros (Los Caballeros, 2009).
Seus álbuns não são produzidos pelas gravadoras cubanas. Eles gravam nos pequenos estúdios alternativos como o Real 70, administrado por Papá Humbertico, um personagem reputado no meio do hip-hop underground cubano. Além disso, eles não se sentiriam integrados à agência cubana de rap devido às ligações de subordinação com as instâncias oficiais de cultura.
Seus álbuns circulam de mão em mão, em discos copiados artesanalmente. Cinco décadas de controle da informação permitiram o desenvolvimento de um mercado “subterrâneo” onde se encontram livros, discos ou filmes.
Fluxo para a juventude cubana
Los Aldeanos fazem parte duma geração de cubanos que passaram a adolescência durante os duros anos do período especial – o princípio da crise econômica na qual a população cubana está até hoje. Esse período foi o divisor de águas entre os últimos anos de abundância material graças ao sustento pela União Soviética e a dura repressão dos anos 90.
Suas canções não falam de problemas econômicos ou políticos. Elas não se aturdem em torno da crise na agricultura, ou a ineficácia das sociedades de Estado ou as demandas repetidas dos cidadãos. Elas são muito além pautadas por conseqüências morais das medidas tomadas pelas autoridades para conter a crise econômica, como a abertura massiva ao turismo internacional.
“Eu não sei se é a falta é do governo ou minha, ou se é real a necessidade do turismo em cuba, eu sei que de qualquer forma eles fazem meter chumbo na minha geração”, cantam em Nos Achicharraron (Viva Cuba Libre, 2010).
Nas letras se encontram policiais corrompidos, as “jineteras” (prostitutas), os funcionários privilegiados, os imigrantes ilegais, mas também os trabalhadores mal pagos, as mulheres agredidas ou os jovens descrentes do porvir.
Eles já se apresentaram em Miami, a capital da diáspora cubana nos Estados Unidos, sem se prestar ao jogo primário do anti-castrismo. Cantaram uma vez em Havana no cinema Acapulco graças ao convite da associação Hermanos Saíz, o braço cultural da juventude comunista. Estão sempre tentando manter o equilíbrio entre o engajamento social e o realismo: “nem socialismo, nem capitalismo, minha causa é a do povo”. Cantam em No Conspiren (Viva Cuba Libre, 2010).
Posto que Cuba está num período de reformas, é possível que se encontrem algumas chaves da mudança possível nas canções de Los Aldeanos. Ao fim das contas, como admitiu El B no documentário Revolution, o hip-hop é “o nosso jeito de fazer a revolução”.
Para ver o documentário “Revolution”:
Revolution from canro&canro on Vimeo.
Para ver o clipe "Abaixo todos os presidentes do planeta!":
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