terça-feira, 10 de julho de 2012

O que o Rock tem a ensinar ao Hip-Hop.




Estamos nas vésperas do Dia Mundial do Rock’ n’ Roll, que é comemorado em 13 de julho. Por tudo que o rock e o Hip-Hop representaram e representam no mundo resolvi escrever sobre uma preocupação.

Dia desses um amigo me contou que tava atrás de músicos pretos pra formar uma banda de rock e por isso foi acusado de racismo. Racismo! Como assim? Das bandas de rock conhecidas pelo grande público, 99,9% são formadas só por brancos e ninguém os acusa de racismo. Por que é que quando alguém quer formar uma banda de rock só com pretos, esse alguém é rotulado de racista?

Essas questões me trouxeram algumas reflexões. No ano em que estávamos fundando o Coletivo de Hip-Hop LUTARMADA, o mundo havia comemorado o aniversário de 50 anos do Rock’ n’ Roll. E segundo a historiografia oficial branca, o que marca o nascimento do rock foi a gravação da musica That’s all right, mamma, em 5 de julho de 1954 por Elvis Presley. Na verdade o rock já compunha a trilha sonora da juventude preta desde a década anterior, mas foi necessário que um branco gravasse uma musica do gênero para que ele viesse a existir oficialmente para o mundo (o Rock, a medicina, a filosofia, a astronomia, o Brasil, a China, a América, a África... tudo no mundo só existe depois que é “descoberto” pelo branco!).

Quando eu fui conquistado pelo Hip-Hop ele tinha um certo apelo à diasporicidade africana. Era um orgulho visível nas nossas artes, roupas e acessórios. Conforme o Hip-Hop foi se popularizando foi também se rendendo à tirania do mercado. Por isso o espaço pra sentimentos como esse orgulho a que me referi, foi ficando cada vez mais limitado. Só que essa forte ligação com as origens era de certa forma uma defesa contra a “antropofagia” da pequena e alta burguesia branca. Nascido nos guetos pretos dos Estados Unidos, o Hip-Hop foi uma resposta contundente à classe dominante branca que já havia se apropriado do jazz e do rock. Neutralizada essa resistência, a classe media branca veio se infiltrando e abrindo caminho para a “colonização”.

Hoje no Rio de Janeiro os eventos de maior prestígio na cena Hip-Hop já não acontecem na periferia, mas sim no centro e na rica e sofisticada Zona Sul. Um dos sintomas de que o Hip-Hop está muito doente é que começam a se destacar personalidades oriundas dos bairros e condomínios da classe meRdia. Pior ainda é que eles se sentem a vontade, inclusive, pra fazer musica na qual zombam de quem não tem dinheiro pra pagar os caros ingressos das boates badaladas dessas regiões.

Quando eu era carteiro, me lembro de ser abordado por um morador de um desses condomínios onde eu fazia a minha entrega, que veio se queixar que não havia recebido uma encomenda que já tinha sido enviada há muito tempo. Ele estava muito furioso, pois se tratava de um disco raro de rock. Com uma atitude muito desconfiada com relação a mim, ele disse que os discos que ele gostava de ouvir tinham que ser importados porque aqui só vendia musica de preto, e que ele, fã de country e Rock’ n’ Roll, detestava musica de preto( ! ). Assim como esse idiota, eu também acreditava que o rock era uma musica criada pelos brancos. Qual o problema? A cena é totalmente dominada por eles! E tenho certeza de que a maioria das pessoas também acreditam nisso.

Como a historia só surpreende a quem de história nada entende, é prudente que o original Hip-Hop nacional faça uma autocrítica e um redirecionamento pra sua caminhada futura. Não será nada de mais se quando o Hip-Hop completar seus 50 ou 60 anos ninguém mais saiba que ele foi criado no seio da comunidade preta nova-iorquina. Aqui já tem gente dizendo que o Hip-Hop no Rio nasceu na festa Zoeira, que acontecia na Lapa entre o fim da década de 1990 e comecinho da década seguinte (mesmo que o 1º disco de RAP carioca tenha sido lançado em 1993 reunindo seis grupos diferentes). O estrago pode ser ainda pior. Se não reagirmos a esse assalto cultural, pode ser que um dia os pretos e pretas que formarem os seus grupos de RAP sejam acusados de racismo por isso.

Por Gas-PA Coletivo de Hip-Hop LUTARMADA


3 comentários:

  1. Bom, de primeira preciso falar q não sou africanista, apesar de a humanidade ter nascido nesse continente, não costumo considerar essa uma questão relevante.... Mas num vim até aki para falar só isso. Mesmo por essa linha de pensamento acredito q a discussão precisa aumentar, ganhar uma outra forma: as injustiças sociais estão aí, todos sabemos. Quanto ao "Elvis" vs "música de preto", o capetalismo sempre foi assim, com coisas até mais importantes, como a comida: o macarrão é herança chinesa, o feijão e o milho são americanos, as batatas, muitas delas... Assim como o "peru" virou uma "graça de Deus", o rock tb. Cabral não veio aki para fazer um índio presidente da república, e o Lula tá bem próximo disso... ser um "índio", ou "parahíba", ou "analfabeto", não quer dizer nada - o negro capitão do mato tb não. Mas a história das origens da cultura Hip Hop ainda estão sendo escritas, temos mais recursos e maiores possibilidades de dar nomes e datas aos fatos! Gostei muito de ver o doc Tempos da São Bento, pq ali uma moça devolve a força q teve o Hip Hop no Rio, logo no começo. Existe um doc com o Malboro, que ele mostra isso: MC Afrika Batata, fazendo RAP bom, jogando Breaking pesado. Num era baile funk não - funk, se formos olhar direitinho, nada mais é q um pedao do samba carioca-baiano em ritmo de Break. Agora, vc está certo - a nova cultura mora naquele carteiro, q ouviu uma nota racista, q bem poderia ter virado o bacundê, já q num tinha nada com os problemas psicológicos do malandro - poderia tirar ele por cocota, q mostra o cofrinho... Trouxe o carteiro, trouxe o debate, contribuiu - e ainda falta muito para que exista mais respeito pelo ser humano em nossa vida "ocidentalizada". Malcom X forever!
    1 braço
    xnd

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  2. A discussão proposta pelo GasPa se torna relevante nos tempos do Fuck All. Existem responsabilidades e propostas de omissão bastante nitidas nos nossos tempos. Temos que evidenciar isso e propor um outro vetor!!!

    Abraços!!

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