“Nossas palavras de
ordem
Estão em desordem. O inimigo
Distorceu muitas de nossas
palavras
Até ficarem irreconhecíveis.”
Se Bertold Brecht, que
viveu entre 1898 e 1956, escreveu essas linhas acima em seu poema Aos
que hesitam, é porque não é de hoje que a classe inimiga se
apropria dos símbolos da nossa luta, os destorcem e os colocam até
a seu favor.
Lembro que no começo
da década de 1990, aqui no Rio era moda usar camisas com a cara de
Bob Marley estampada. Até quem não ouvia reggae tinha pelo menos
umazinha dessas. Na fase mais crítica da minha adolescência eu não
perdia uma oportunidade de questionar essas pessoas sobre essa
atitude. Geralmente quando eu perguntava a elas quem era o cara da
camisa, ouvia como resposta coisas do tipo “um maconheiro que
tocava reggae”! Mas, só? Ele não colocava a sua música a serviço
da resistência, da proposta de um novo comportamento? Não foi uma
figura política importante no seu país?
Mais recentemente o
mesmo se deu com Che Guevara. Seu rosto estampava não só as
camisas, mas também as mochilas, os bonés e todo tipo de
acessórios. Pra nós que conhecemos minimamente o cara em questão e
sabemos em prol de que ele dedicou quase toda a sua vida, era muito
estranho vê-lo vestindo corpos que abrigavam mentes nas quais a sua
obra não tinha o menor espaço. Mentes até reacionárias. Mais
contraditório ainda é saber que esse cara que morreu na luta contra
o capitalismo tinha agora seu rosto gerando lucro pros capitalistas.
O Movimento Punk surgiu
no interior da juventude operária, na Inglaterra, nos anos 70. De
orientação anarquista, suas marcas mais perceptíveis são a música
e o visual de seus adeptos. E isso sempre incluiu o cabelo moicano.
Enquanto o cabelo moicano foi uma exclusividade dos Punks, ele
significava uma forma de protesto contra o extermínio branco
praticado sobre os “índios” Moicanos, dos Estados Unidos. Mas
depois que o megapopstarjogador inglês Beckham apareceu pela
primeira vez usando o tal “penteado”, o corte moicano virou moda
no mundo todo, perdeu todo o seu caráter contestatório e hoje é
usado por uma enormidade de pessoas que não sabe quem são os
moicanos, que nunca ouviu falar no movimento Punk e que possivelmente
acredita que anarquia é simplesmente desordem.
É lógico que se
formos fazer um apanhado mais minucioso, acharemos outros tantos
exemplos. Até o meu amado e adorado Hip-Hop entraria nesse rol. Mas
eu queria encurtar essa história e chegar ao Mariga.
Nascido em 1911, desde,
no mínimo, a década de 30 ele já tinha atividade política. Quando
foi assassinado em 1964, a sua própria saga já era um legado e
tanto podendo ser herdado por todas as gerações seguintes. Isso sem
contar a sua obra literária que, além de lindos poemas, também
incluem importantes documentos como o Mini manual do guerrilheiro
urbano, traduzido para outros idiomas pelo mundo. Por isso, pra
nós que militamos pela superação do capitalismo, seu nome sempre é
lembrado. No meu caso em particular, já há muito tempo ele é
citado em minhas musicas, como a Pretos e pretas de armas na mão,
do nosso mais recente CD, À opreÇão não mais sujeitos
(http://soundcloud.com/fabioemece/o-levante-pretos-e-pretas-de),
além de grafitado por nós do Coletivo de Hip Hop LUTARMADA.
Porém, de uns tempos
pra cá, principalmente depois de se completar quarenta anos de sua
morte, seu nome está mais presente nas bocas, nos muros, mas camisas
nos poemas e até nas músicas. E esse recurso constante ao nome de
Marighella já começa a ganhar contornos de vulgaridade. Em muitos
casos ele já é falado por pessoas que nem imaginam quem de fato
tenha sido Carlos Marighella e – já dá até pra desconfiar –
nem procurarão conhecer. Já tem artistas citando o seu nome por
perceber que ele agrada aos ouvidos de potenciais consumidores de
suas artes. Recentemente, sob encomenda de uma cineasta, o grupo de
REP Racionais MCs gravou musica para um documentário que aborda
aspectos da vida desse companheiro de luta. A música virou clip e
ganhou o premio de melhor clip do ano no VMB, a mais badalada
premiação da musica brasileira. Como os olhos de boa parte do
mercado fonográfico miravam o evento e como se trata do grupo de REP
de maior expressão do país, as chances de Marighella virar moda
também são enormes. O precedente pra sua imagem ser vulgarizada e
explorada comercialmente, e seu grande legado ser lacrado e vedado ao
conhecimento geral, está aberto. Mas a diferença entre a
popularização de Marighella e a sua vulgarização está na nossa
disposição em dialogar com a nossa classe. Essa também é uma
oportunidade de dar aos nossos, acesso a outras referências pra além
do mundo do esporte ou do entretenimento. Mostrar para @s da nossa
classe que ela foi capaz de produzir personalidades que se
notabilizaram internacionalmente pela defesa de interesses bem mais
nobres do que enriquecer pessoalmente praticando algum esporte ou
distraindo e alienando as mentes com obras de arte feitas
exclusivamente para atender ao mercado. E que, inclusive, tant@s
outr@s também deram a suas vidas nessa mesma caminhada e não
tiveram projeção, até porque o objetivo da nossa luta não pode
ser o reconhecimento, mas sim a contribuição para a eliminação da
opressão e exploração. E nesse sentido, nossa música, a musica
dos Racionais, o nosso graffiti... tem muito a contribuir.
Recentemente soube de
um professor que milita na LER-QI, que tem trazido jovens pra luta a
partir dessa mesma música dos Racionais. E é disso que estou
falando.
Já nos expropriaram os
meios de produção. Vamos agora deixar que nos expropriem até os
ícones da nossa resistência?
Comecei esse texto
citando Brecht. Então quero fechá-lo com um episódio que envolve
uma outra obra dele.
“Há homens que lutam
um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são
melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito
bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os
imprescindíveis”
Esse poema foi lido por
Galvão Bueno em homenagem ao Ronaldo “o fenômeno” na
transmissão ao vivo do jogo de sua despedida da Seleção
Brasileira!
Cabe?
Gas-PA (Coletivo de
Hip-Hop LUTARMADA)
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